Médicos e Pacientes alinhando expectativas.

Data: 10.10.2014

A compreensão e o diálogo são o caminho para que agressões verbais e físicas não façam parte da sagrada relação médico-paciente.

Ainda chocado com o atentado sofrido há algumas semanas por um dos mais ilustres urologistas do país, sinto-me compelido a fazer algumas reflexões sobre a relação médico-paciente. Na essência, a função do médico é sabiamente pautada por Hipócrates, que apregoava que fazer o bem para seus pacientes é o objetivo maior dos médicos. Já para o paciente, o médico é aquele que pode ajudá-lo a resolver seus problemas de saúde e, às vezes, até mesmo pessoais.

Idealisticamente, a relação entre ambos deveria ser pautada pela confiança e competência, gerando cumplicidade na busca da cura ou da atenuação do sofrimento. Contudo, nem sempre é assim que as coisas acontecem na medicina moderna.

Pelas características dos sistemas de saúde, tanto público, quanto privado, a lógica da relação vem sendo modificada: o indivíduo é cada vez menos paciente de um médico e cada vez mais de uma instituição ou de algum plano de saúde, o que gera enfraquecimento dos laços emocionais e afetivos que unem pacientes a seus médicos e vice-versa.

Como um agravante, em situações de maior complexidade o paciente é conduzido por um time de especialistas e outros profissionais da saúde, em função da diversificação do conhecimento cientifico. Talvez este seja um caminho sem volta, como um preço a se pagar pela busca da universalização do acesso às ações da saúde e aos custos crescentes do atendimento.

Apesar deste cenário desfavorável, amplia-se em todo o mundo a necessidade da relação médico-paciente ser mais aberta e transparente. É fundamental que o paciente entenda o que se passa com ele e, mais ainda, que participe do processo decisório quanto aos possíveis tratamentos para seu problema de saúde, algo que nem sempre ocorre.

Por outro lado, a compreensão de seu problema de saúde pode ser limitada em função de fatores diversos, tais como o receio de saber o que lhe acontece –mais comum em idosos–, o grau educacional, o nível intelectual e as condições emocionais, as quais podem, inclusive, gerar atitudes de negação quanto à doença e de agressividade contra aqueles que o tratam.

Cabe ao médico explicar com clareza a seu paciente o que lhe ocorre, procurando encontrar a maneira que melhor permita a compreensão de seu problema de saúde – -afinal, como dizem, comunicação não é o que você fala, é o que o outro entende.

Portanto, o caminho a ser trilhado é claro: a busca do alinhamento das expectativas do paciente com as de seu médico. É preciso que se entenda e aceite que o resultado de um tratamento é pautado por situações nem sempre administráveis, tais como a doença em si, condições clínicas e idade do paciente, condições de atendimento e o próprio tratamento, afora competência, experiência e dedicação do médico.

Na verdade, grande parte dos processos de responsabilidade civil por “erro médico” decorre de compreensão inapropriada dos resultados alcançáveis e de possíveis complicações e sequelas do tratamento por parte do paciente ou de sua família.

Infelizmente, não é incomum que pacientes canalizem contra seus médicos insatisfações e frustrações decorrentes de suas doenças e seus tratamentos. Isso acontece na vida profissional de qualquer um de nós, expostos que estamos a nossas limitações e ao imponderável.

Contudo, alinhar as expectativas por meio da compreensão e do diálogo é o caminho para que agressões verbais e físicas não façam parte da sagrada relação médico- paciente, a fim de que o médico possa exercer dignamente sua função, honrando seu juramento hipocrático.

RAUL CUTAIT, 64, professor associado do departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, é membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Paulista de Letras
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Fonte:
Folha de Sao Paulo