O que você precisa saber sobre lipedema para não acreditar em qualquer um

Data: 05.01.2024

Noutro dia, estiquei as orelhas e ouvi uma conversa entre médicos: “Hoje, todo mundo tem lipedema”, ironizou um deles. “E todo mundo é especialista em lipedema”, retrucou o outro. Dá para entender um pouco de onde vem o ranço.

De um lado da mesa de certos consultórios, tem muito picareta chamando qualquer acúmulo de gordura localizada nos joelhos ou no culote de lipedema. Do outro lado, a paciente ou acredita ou, o que é lamentável, repassa o suposto diagnóstico adiante para ser parcialmente reembolsada das despesas de uma cirurgia puramente.

Às vezes, a mulher tem de fato lipedema, um crescimento desproporcional de uma gordura um tanto diferente nas pernas ou, mais raro, nos braços. Então, começa a consumir uma penca de remédios que não reduzirá 1 milímetro o seu problema. Bem pior é quando cai em golpes que, além de ineficazes no seu caso, são potencialmente fatais, como usar os proibidíssimos “chips” de beleza.

Noutro dia, estiquei as orelhas e ouvi uma conversa entre médicos: “Hoje, todo mundo tem lipedema”, ironizou um deles. “E todo mundo é especialista em lipedema”, retrucou o outro. Dá para entender um pouco de onde vem o ranço.

De um lado da mesa de certos consultórios, tem muito picareta chamando qualquer acúmulo de gordura localizada nos joelhos ou no culote de lipedema. Do outro lado, a paciente ou acredita ou, o que é lamentável, repassa o suposto diagnóstico adiante para ser parcialmente reembolsada das despesas de uma cirurgia puramente estética.

Às vezes, a mulher tem de fato lipedema, um crescimento desproporcional de uma gordura um tanto diferente nas pernas ou, mais raro, nos braços. Então, começa a consumir uma penca de remédios que não reduzirá 1 milímetro o seu problema. Bem pior é quando cai em golpes que, além de ineficazes no seu caso, são potencialmente fatais, como usar os proibidíssimos “chips” de beleza.

E há, por fim, aquelas que, quando se queixam, ouvem que é celulite, inchaço, obesidade ou que deveriam se conformar porque têm as pernas “grossas” das mulheres da família — bem, isso pode ser mesmo, porque estamos falando de uma doença com fundo genético. Sim, uma doença progressiva que causa dores físicas torturantes. E emocionais também.

Oficialmente, uma doença

Lipedema não é uma invenção, tampouco modismo recente. Essa condição foi descrita pela primeira vez em 1940 por médicos da Clínica Mayo, nos Estados Unidos. Chamou a atenção deles que algumas mulheres tinham o corpo fino, mas muita gordura nos membros inferiores — um terço delas, nos braços, mas nunca nos antebraços. Os depósitos gordurosos eram completamente simétricos, iguais nos lados esquerdo e direito. Além disso, pareciam especialmente inflamados.

Mas levou mais de 80 anos para isso ser reconhecido como uma patologia, que vai muito além do que se vê no espelho. Só em 2022 a OMS (Organização Mundial de Saúde) a incluiu o lipedema na CID (Classificação Internacional de Doenças), em que mais 50 mil condições têm um código só seu para que médicos de cantos diferentes do globo saibam quando estão falando da mesma coisa. É o RG ou o CPF das doenças reconhecidas como tais.

Quase só acomete mulheres

“É raríssimo encontrar um homem com lipedema e, quando acontece, ele tem níveis muito baixos de testosterona em função, por exemplo, de um tratamento para câncer de próstata”, conta o endocrinologista Cristiano Grimaldi Barcellos, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) que, em dezembro, deu uma aula sobre o assunto no OLHAR Abeso, evento da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica.

Calcula-se que em torno de 10% da população feminina do mundo tenham a doença. No Brasil, são pelo menos 5 milhões de pacientes.

E quase metade tem obesidade. Isso geral alguma confusão.

É bem diferente de obesidade

“A pessoa com obesidade tem um aumento de tecido adiposo por todo o corpo. Ela acumula gordura na barriga, aquela que chamamos de visceral, que também fica impregnada em órgãos como fígado, rins, pâncreas? E esse tipo está envolvido com doenças cardiovasculares, uma relação que já não vemos no lipedema”, explica o professor Barcellos.

Pudera: o lipedema tem ver com uma gordura subcutânea, que não eleva o risco cardiovascular. Quando ela cresce de maneira descomunal só nas nádegas e no quadril, dizem que é o tipo 1 da doença. No tipo 2, o acúmulo é apenas nos joelhos e nas coxas. No tipo 3, ele se estende até as panturrilhas. O tipo 4 é o dos braços. E o 5 é aquele em a gordura aumenta demais só na área abaixo dos joelhos.

Seja onde estiver, o tipo que for, é uma gordura dolorosamente inflamada. “Já vi paciente com lipedema no braço que tinha vontade de chorar com o aparelho para medir a pressão”, relata Cristiano Barcellos. “E, ora, obesidade não dói Aliás, se mulher emagrece — mesmo perdendo muitos quilos por meio de cirurgia bariátrica ou com os novos remédios antiobesidade —, o corpo inteiro afina, menos a região com lipedema continua praticamente igual.”

Outra diferença: o lipedema está associado ao aparecimento de vasinhos. Frágeis, eles estouram com facilidade. A mulher vive com manchinhas roxas, que parecem surgir do nada.

Para completar, cerca de um terço das pacientes apresenta uma hiperflexbilidade, aumentando o risco de torções, entre outros acidentes. Isso porque seu organismo produz mais substâncias como proteoglicanas e glicosaminoglicanas, que formam uma geleia no tecido conjuntivo das articulações.

Por que acontece

Por ser uma doença quase exclusiva das mulheres, faz sentido deduzir que os hormônios femininos têm um bom papel na história. Mas não podemos pensar que é uma simples questão de ter concentrações maiores estrogênio circulando no organismo. “Se fosse assim, o lipedema melhoraria na menopausa, quando seus níveis caem”, raciocina o professor Barcellos. E não melhora. Às vezes, até piora. “O que se sabe é que a doença aparece ou progride quando ocorrem variações hormonais significativas, para mais ou para menos”, diz o endocrinologista. Daí que, em boa parte dos casos, ela aparece na puberdade, quando o estrógeno começa a se elevar no sangue. Mas também pode acometer gestantes, mulheres que fazem tratamento hormonal para engravidar ou que entraram na menopausa.

Segundo o professor Barcellos, a suspeita de alguns estudiosos é que os receptores do estrógeno estejam por trás. “Há dois tipos, o alfa e o beta e, quando a mulher tem lipedema, o primeiro está aumentado no tecido adiposo”, conta. Isso faria a célula de gordura hipertrofiar, ficando com um volume até três vezes maior em comparação com a de uma mulher sem lipedema.”

Quando progride

“Imagine uma adolescente que, mais do que a eventual insatisfação com o corpo, começa a sentir dores e peso nas pernas. E tudo isso se agrava quando, mais tarde, ela engravida e se intensificar ainda mais em uma segunda gestação, já que a flutuação dos hormônios é um gatilho”, observa o cirurgião plástico Fábio Kamamoto, do Instituto Lipedema Brasil.

No primeiro estágio da doença, ao passar a mão na área acometida, a sensação é a de haver grãos de arroz sob a pele — “como se fosse a superfície de um bombom crocrante”, descreve Cristiano Barcellos.

No segundo estágio, notam-se nódulos, feito coroços duros. “Isso porque, na medida em que o tecido adiposo inflama, vão surgindo cicatrizes e, então, é como se a gordura crescesse dentro de caixinhas de fibrose”, explica o doutor Kamamoto. No terceiro, há deformações até mesmo na pele e metade das mulheres apresenta varizes. O quarto e último estágio, lógico, é o mais complicado: é quando a doença afeta os vasos linfáticos. Então, alguns especialistas falam em lipolinfedema,

Um inchaço diferente

Atenção: não confunda esse último estágio não confunda com linfedema, quando o inchaço provocado pelo mau funcionamento dos vasos linfáticos acontece de um lado só ou, vá lá, mais de um lado do que de outro, deixando o pé feito um pãozinho redondo de tanta retenção de líquido. Aqui é diferente: acontece simetricamente nos dois lados, mas os pés nunca incham. “A mulher continua usando o mesmo número de sapato”, conta Cristiano Barcellos.

Mudança de estilo de vida O tratamento é sempre multidisciplinar. E grave bem: não há remédio para o lipedema. “Quem fala diferente disso está tirando proveito da vulnerabilidade da paciente, que muitas vezes desenvolve depressão, transtornos alimentes e ansiedade”, afirma Fábio Kamamoto.

No estágio mais grave, quando os vasos linfáticos são acometidos, algumas mulheres relatam melhora nos sintomas uso de meias de compressão e drenagem linfática feita por fisioterapeutas especializados.

“A dieta capaz de aliviar sintomas e diminuir a probabilidade de progressão do lipedema, mais do que focada no emagrecimento, precisa ser anti-inflamatória, com porções reduzidas de açúcar, álcool, farinha branca e frituras. E, de preferência, sem alimentos ultraprocessados”, afirma o cirurgião plástico que, há doze anos, se dedica a essa doença.

A atividade física faz parte da receita. “No entanto, dependendo do grau de lipedema, os exercícios terão de ser de baixo impacto”, diz o especialista. E justifica: “A gordura desproporcional nas coxas, por exemplo, causa desvios nos joelhos. Na verdade, quem tem lipedema nas pernas costuma apresentar problemas ortopédicos que, por sua vez, pioram os quadros de dor.”

O tratamento cirúrgico

Entenda de uma vez por todas: apesar de as células de gordura doentes serem aspiradas, não se trata de uma lipoaspiração banal, como aquela para eliminar um pneuzinho na cintura. Quem faz essa promessa está ludibriando.

“É uma cirurgia de grande porte”, define o doutor Kamamoto. “Precisa ser realizada por profissionais treinados em lipedema para que saibam retirar um tecido adiposo cheio de fibroses, perto de veias, nervos e vasos linfáticos.”

O limite é sugar o equivalente a 8% do peso da paciente. “Em uma mulher de 70 quilos, eu só poderei aspirar 5,6 litros de gordura”, exemplifica o cirurgião. “Se ela tiver 10 litros para serem retirados, melhor dividir duas cirurgias.”

Segundo o consenso americano sobre lipedema, porém, só a cirurgia consegue resolver vez a situação. E ainda assim, paralelamente, a mudança de estilo de vida continuará sendo necessária. Não existe saída milagrosa — e segura — para um problema tão complexo. …

– Veja mais em https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2024/01/05/o-que-voce-precisa-saber-sobre-lipedema-para-nao-acreditar-em-qualquer-um.htm?cmpid=copiaecola

 

O que você precisa saber sobre lipedema para não acreditar em qualquer um